A composição química da cerveja.


De forma simples, vamos apresentar a composição química da nossa cerveja. Existem muitas fontes e alguns parâmetros são discutíveis. Mas o objetivo desse artigo é fornecer base para consulta, aprendizado, ampliação do conhecimento e iniciar discussão sobre o assunto.

A cerveja para consumo é composta por 2 a 6% de extrato residual, 2 a 6% de etanol, 0,35 a 0,50% de dióxido de carbono e 90 a 95% de água. Esses valores variam conforme o tipo de cerveja produzido (De Keukelerie, 2000; Aquarone et al., 1983).

Composição da cerveja
Água. Todos sabem que a água é fundamental para obter uma boa cerveja. Ela representa cerca de 90% da composição em massa da cerveja e exerce grande influência sobre a qualidade desta. A água que vai compor a cerveja deve preencher certos requisitos: Livre de turbidez, pH controlado (5 a 9,5) e Padrões microbiológicos (higienização).

Segundo Lazzari et el., 2009, para se ter uma boa cerveja a composição da água deve seguir os parâmetros apresentados na tabela abaixo:

Parâmetro
Unidade
Especificação
Sabor
-
insípida
Odor
-
insípida
pH
pH
6,5 a 8,0
Turbidez
NTU
<0,4
Matéria orgânica
mgO2/L
0 a 0,8
Sólidos Totais Dissolvidos
mg/L
50 a 150
Dureza Total
mgCaCO3/L
18 a 79
Sulfatos
mgSO4/L
18 a 30
Cloretos
mgCl/L
1 a 20
Nitratos
mgNo3/L
ausente
Cálcio
mgCa2+/L
5 a 22
Magnésio
mgMg2+/L
1 a 6
CO2 livre
mgCO2/L
0,5 a 5,0

Sais minerais.  Conforme descrito no trabalho de Dragone et al., 2007, vários componentes químicos são importantes na composição do mosto:

Cálcio. Elemento importante para a estabilidade da cerveja e de bom paladar. Protege a amilase da desativação térmica durante a sacarificação; favorece a coagulação proteica durante a fervura do mosto; evita a posterior turvação da bebida; estimula o metabolismo e também a floculação da levedura.

Magnésio. Possui efeito similar ao cálcio, porém em menor intensidade, sendo essencial ao funcionamento de certas enzimas da levedura. Níveis acima de 30 mg/L podem conferir um amargor desagradável para a cerveja.

Zinco. Ativa a síntese de proteínas, estimulando o crescimento de leveduras, ativando a fermentação. Contudo, teores superiores a 0,6 mg/L têm ação negativa sobre a fermentação e a estabilidade coloidal.

Cloreto. Os cloretos de cálcio e magnésio não são prejudiciais à cerveja. Conferem a ela um paladar encorpado e redondo. Contudo, teores acima de 100 mg/L favorecem a corrosão dos equipamentos da linha de produção.

Malte. O malte é resultante do processo artificial e controlado de germinação (malteação) da cevada. Esse grão é rico em amido, contém enzimas, possui uma casca que confere proteção ao grão durante a malteação e dá o aroma e sabor característicos do produto. O processo de malteação é dividido em três etapas (Silva e Faria, 2008):

Maceração. Fornece água ao grão para que ele inicie a germinação;

Germinação. Ocorre em caixas preparadas com rigoroso controle de temperatura, umidade, oxigênio, CO2 e umidade em torno de 45-50%;

Secagem. Torna o malte estável e armazenável por meio do processo de desumidificação. Encerra o processo fisiológico e define o paladar, o aroma e a cor desejados.

Mas o que é malteação? É a germinação de grãos sob condições ambientais controladas com objetivo de obter enzimas que provocam modificações nas substâncias armazenadas no grão.

A seguir é mostrado um grão de cevada em corte longitudinal, onde podemos observar o embrião, que é a parte que se desenvolve em planta; o aleuroma, que é responsável por produzir e secretar enzimas amiolíticas para quebrar o endosperma e transformá-lo em alimento para o grão durante a germinação e o endosperma, que é o tecido nutritivo que fornece ao embrião substâncias como amido, celulose, proteínas, óleos e gorduras.

A tabela abaixo mostra a composição do grão da cevada e do malte de cevada (Silva, 2005)
Características
Grão de Cevada
Malte de Cevada
Massa do grão (mg)
32 a 36
29 a 33
Umidade (%)
10 a 14
4 a 6
Amido (%)
55 a 60
50 a 55
Açúcares (%)
0,5 a 1,0
8 a 10
Nitrogênio Total (%)
1,8 a 2,3
1,8 a 2,3
Nitrogênio Solúvel (% de N total)
10 a 12
35 a 50
Poder Diastático (o % L1)
50 a 60
100 a 250
Enzima alfa-amilase (20o unidades2)
Traços
30 a 60
Atividade Proteolítica
Traços
15 a 30
(1) Lintner (índice de atividade das amilases e (2) em unidades de dextrinas produzidas

Ingredientes adjuntos do malte. São materiais formados por carboidratos não malteados (não provenientes do malte) com composição e propriedades que complementam de forma benéfica o malte de cevada. Os motivos de utilização dos adjuntos são os seguintes (Rosa e Afonso, 2014): menor custo dos adjuntos comparado ao malte; aumento da capacidade da brassagem; produção de cervejas mais claras. 
Os adjuntos podem ser de dois tipos:
a) os que não precisam de brassagem (como a alta maltose, produzida a partir do milho), que possuem alta concentração de carboidratos simples (monossacarídeos). Estes são adicionados diretamente na fervura, pois não contêm amido;
b) adjuntos que precisam de brassagem por terem alta concentração de amido. As enzimas devem hidrolisar as cadeias de amido, transformando-as em carboidratos simples, como acontece com o trigo e o centeio.

Lúpulo. O lúpulo utilizado na fabricação de cerveja é a flor seca da planta fêmea do lúpulo, natural de muitas zonas temperadas da Europa, dos Estados Unidos, da China e, recentemente, produzido no Brasil. O sabor característico do lúpulo é essencial para o impacto organoléptico total da cerveja, a estabilidade do sabor e a retenção da espuma (Dragone et al., 2007; Silva e Faria, 2008).

Flor do lúpulo

A tabela abaixo mostra a composição química do lúpulo natural (em flor).
Características
Porcentagem (%)
Resinas Amargas Totais
12 a 22
Proteínas
13 a 18
Celulose
10 a 17
Polifenóis
4 a 14
Umidade
10 a 12
Sais minerais
7 a 10
Açúcares
2 a 4
Lipídios
2,5 a 3,0
Óleos essenciais
0,5 a 2,0
Aminoácidos
0,1 a 0,2
Fonte: Silva (2005)

A tabela a seguir mostra, segundo Evangelista (2012), a composição do lúpulo utilizado na industria cervejeira.

Componentes químicos
Concentração (%)
Água
10,0
Resinas totais
15,0
Óleos essenciais
0,5
Taninos
4,0
Monossacarídeos
2,0
Pectina
2,0
Aminoácidos
0,1
Proteína bruta
15,0
Lipídeo e ceras
3,0
Cinzas
8,0
Celulose, lignina, etc.
40,4
TOTAL
100,0
Veja o artigo sobre Dry hopping

Levedura. São seres unicelulares pertencentes ao Reino Fungi. Seu papel é fundamental na transformação do amido (polissacarídeo) presente nos grãos em açúcares fermentáveis. Existem mais de 1.500 espécies de leveduras descritas. Mas, apesar de toda a revolução mundial na ciência cervejeira e da busca por novas leveduras, duas espécies são ainda as mais usadas na fabricação da bebida: Saccharomyces cerevisiae e Saccharomyces pastorianus. Ambas possuem variedades (linhagens), cada qual com características únicas que geram uma das grandes divisões no mundo das cervejas: a divisão entre cervejas Ale e Lager.

Ale. As leveduras ale, cuja espécie é Saccharomyces cerevisiae, são as mais antigas utilizadas na fabricação da cerveja, sendo a mais diversificada geneticamente (incluimos aqui as Kveiks). As leveduras do tipo ale também são conhecidas como leveduras de superfície, pois ao final da fermentação, combinam-se com as moléculas de CO2 e, dessa forma, são arrastadas à superfície do tanque, flutuando como uma massa de pão. Assim, podem ser recolhidas e utilizadas para fermentar o próximo lote. São capazes de fermentar em temperaturas mais altas, entre 16º C e 24 º C, o que faz com que a fermentação seja mais rápida e possibilite a produção de aromas mais frutados, condimentados e complexos.

Lager. Foram descobertas recentemente em meados do século XIX (Saccharomyces pastorianus), causaram um grande impacto no mundo da cerveja, trabalhando em temperaturas entre 8 e 14ºC, portanto, de forma mais lenta. No final da fermentação, em tanques abertos, depositam no fundo e, por isso, também são chamadas de leveduras de fundo. Nesse grupo, a levedura se comporta como um coadjuvante, deixando o papel principal para os maltes e o lúpulo. A levedura lager é na verdade um híbrido, ou seja, uma mistura de duas espécies: Saccharomyces cerevisiae e Saccharomyces eubayanus. Essa última foi descoberta há pouco tempo na Patagônia Argentina (2011) e, hoje, já é encontrada em outras regiões frias, como Nova Zelândia e Tibet.

Ainda podemos considerar a fermentação espontânea (cervejas do tipo Lambic), onde as leveduras não são inoculadas no mosto, mas estão presentes no ambiente e recipiente e acabam “contaminando” o mosto e se multiplicando, para então começar o processo de fermentação. A levedura nesse caso é selvagem e do gênero Brettanomyces sp. Existe uma briga se as Lambics e outras cervejas ácidas, que usam “Bretta” devem ser consideradas uma terceira família específica ou não. Quem argumenta contra, diz que apesar de não serem inoculadas e/ou serem de espécies diferentes, ao iniciar o processo de fermentação, essas leveduras se comportam como uma cerveja da família das Ales.

Tipos de leveduras usadas na etapa de fermentação da cerveja. a) Saccharomyces pastorianus; b) Saccharomyces cerevisiae; c) Brettanomyces.

Observação:
Algumas pessoas consideram as Kveiks como leveduras distintas e completamente diferentes das citadas. Entretanto, são S.cerevisiae que apenas possuem capacidade de fermentação em temperaturas elevadas sem gerar sabores e aromas indesejados à cerveja. Portanto, são mais uma variedade com características próprias para serem usadas em nossas cervejas.

Esse espaço está aberto para sua consideração sobre o assunto. Contribua!

Bibliografia consultada:
AQUARONE, E.; LIMA, U.A.; BORZANI, W. Biotecnologia: alimentos e bebidas produzidos por fermentação. v. 5. São Paulo: Edgard Blucher, 1983
DE KEUKELERIE, D. Fundamentals of beer and hop chemistry. Química Nova, n. 23, p. 108-112, 2000.
DRAGONE, G.; MUSSATI, S.I.; SILVA, J.B.A. Utilização de mostos concentrados na produção de cervejas pelo processo contínuo: novas tendências para o aumento da produtividade. Ciência e Tecnologia de Alimentos, n. 27, p. 37-40, 2007.
SILVA, P.H.A.; FARIA, F.C. Avaliação da intensidade de amargor e do seu princípio ativo em cervejas de diferentes características e marcas comerciais. Ciência e Tecnologia de Alimentos, n. 28, p. 902-906, 2008.
Rosa, N. A e Afonso, J. C. A química da cerveja. Qnesc.sbq. org.br, 2014.
Lazzari, L. M. et al. Produção de cerveja. Santa Catarina. UFSC, 2009.
Evangelista, R. R. Análise do processo de fabricação industrial de cerveja. São aulo, Título de graduação, Fatec Araçatuba, 2012.
Silva, D. P. Produção e avaliação sensorial de cerveja obtida a partir de mostos com elevadas concentrações de açúcares. São Paulo. FAENQUIL, 2005 (Tese de doutorado).


Nenhum comentário:

Postar um comentário