Ação dos nutrientes na fermentação


As leveduras realmente precisam de nutrientes para realizar suas funções de fermentação? Não. Da mesma forma que uma pessoa saudável não precisa de nutrientes adicionais além daqueles obtidos na sua alimentação normal. Mas os nutrientes podem ajudar? Segundo muitos cervejeiros a resposta é SIM, tanto que podemos encontrar com facilidade alguns tipos de nutrientes nas lojas que vendem insumos para fabricação de cerveja.

O mecanismo metabólico das leveduras é complexo, muito além do que pensam alguns cervejeiros que resumem no trabalho de transformar um caldo doce em álcool e CO2. As leveduras quando na presença de alimento (mosto) realizam intensas reproduções assexuadas gerando novos indivíduos e, para gerar esses novos indivíduos, precisam de matéria prima, para montá-los (construir organelas citoplasmáticas, membranas, etc). Portanto, nessa fase, qualquer ajuda nutricional parece ser bem vinda.

Recentemente, segundo Cebra et al, 1998, existe uma tendência de explorar comercialmente leveduras na forma de levedo para a utilização humana como fonte de nutrientes, através do isolamento de alguns de seus componentes, como as enzimas invertase, lactase, nucleotídeos, proteínas, polissacarídeos, além de lipídios, como fosfolipídios e ergosterol. O Levedo é originado da autólise da parede celular da levedura liberando assim o conteúdo citoplasmático, bem como componentes contidos nas membranas.

Esses componentes celulares são fontes adequadas que podem ser utilizadas como matérias primas para a produção de novas leveduras. Sabendo que para montar novas células serão necessários lipídios, glicídios, fósforo, nitrogênio, carbono, hidrogênio, aminoácidos, enzimas e minerais, onde os mais importantes para esse processo são: o Magnésio, que é fundamental para o funcionamento de certas enzimas da levedura e o Zinco, que ativa a síntese de proteínas, estimulando o crescimento de leveduras, ativando a fermentação.

As fontes de nutrientes mais utilizadas pelos cervejeiros artesanais, devido ao seu baixo custo, são as leveduras contidas na lama após a fermentação ou o fermento de pão, possuindo as matérias primas semelhantes por se tratarem de mesma origem, a levedura Saccharomyces. Entretanto, essas fontes nutricionais estão na sua maioria intactas dentro da célula da levedura.

Quando fazemos nossa cerveja (ver artigo sobre a composição da cerveja), trabalhamos com uma quantidade enorme de substâncias, principalmente a água, maltes, lúpulos e levedura.

Na água cervejeira, segundo Lazzari et el., 2009, podemos ter: Matéria orgânica (0 a 0,8mgO2/L), Sulfatos (18 a 30mgSO4/L), Cloretos (1 a 20mgCl/L), Cálcio (5 a 22mgCa2+/L) e Magnésio (1 a 6mgMg2+/L).

No malte, podemos ter (Silva, 2005): amido (50-55%), açúcares (8-10%), nitrogênio solúvel (35-50%) e enzimas (30-60%).

No lúpulo (Evangelista, 2012): Resinas totais (15%), óleos essenciais (0,5%), Taninos (4%), Monossacarídeos (2%), Pectina (2%), Aminoácidos (0,1%), Proteína bruta (15%), Lipídeos e ceras (3%) e celulose, lignina e outros (40,4%) o restante é água.

Na levedura (Caballero-Córdoba et al., 1997): proteínas (45-49%), lipídios (4-7%), carboidratos (26-27%), Fósforo (17mg/100g), Potássio (13,5mg/100g), Sódio (9mg/100g), Magnésio (2,1mg/100g), Alumínio (1,0mg/100g) Cálcio (0,73mg/100g), Ferro (0,10mg/100g), Selênio (24,21mg/100g), Manganês (15,91mg/100g), Chumbo (9,69mg/100g), Cromo (9,63mg/100g), Niquel (7,22mg/100g) e Zinco (4,54mg/100g).

Portanto, o que temos durante a brassagem e fermentação parece suprir a necessidade metabólica da levedura durante os seus trabalhos. Isso é verdade? Alguns dizem que sim outros dizem que não. Para tentar iniciar uma discussão sobre o assunto um experimento simples foi montado.

Experimento:
Um mosto básico foi preparado contendo 8,0Kg de malte Pilsen e 15g de lúpulo Perle incluído a 60 minutos de fervura. A levedura utilizada foi a Kveik Midtbuster com starter de 20 horas. Esse mosto foi dividido em 4 baldes/fermentadores e adicionados alguns nutrientes comuns utilizados por cervejeiros artesanais. Esses nutrientes foram selecionados porque são de fácil acesso.

Balde 1- Controle (sem qualquer nutriente) com 10 litros de mosto.
Balde 2- Com 2,0g de Levedo de cerveja em 10 litros de mosto.
Balde 3- Com 2,0g de Levedura seca em 10 litros de mosto.
Balde 4- Com 2,0g de fermento de pão (Fleischmann) em 10 litros de mosto.

Cada tipo de nutriente foi fervido em mosto por 15 minutos para ter um padrão indicado que é normalmente utilizado na produção de cerveja caseira. A cada 12 horas a densidade do mosto de cada balde foi anotada, bem como a temperatura máxima e mínima para o período.

Os quatro baldes fermentadores ficaram no ambiente onde a amplitude térmica foi de 20,0 a 28,0ºC, com temperatura média máxima de 27,4ºC e a temperatura média mínima de 21,4ºC. A tabela abaixo mostra a variação da temperatura entre os intervalos de análise.

Os dados da densidade e temperatura em cada 12 horas estão apresentados na tabela abaixo.


A preocupação não era o estímulo à fermentação considerando a temperatura, porque todos os baldes/fermentadores estavam submetidos à mesma temperatura ambiental. Eliminando a temperatura, objetivamos o estímulo do nutriente à fermentação das leveduras que é foco do experimento.

O gráfico 1 evidencia que as fermentações com fermento de pão, levedura seca e levedo de cerveja foram realizadas de formas semelhantes atenuando com 96 horas. Também podemos observar que todos os nutrientes analisados tiveram um padrão semelhante de ação com diferença de 1 milésimo na densidade (1008 para 1009). Quando comparado com o controle (sem nutriente), podemos observar uma tendência na otimização do processo fermentativo, não sendo evidente quanto à velocidade de fermentação (todos finalizaram com 96 horas), mas podendo interferir na atenuação com diferença máxima 1008 para 1012. 

Gráfico 1

A ação sobre a atenuação pode ser melhor observada no gráfico 2, onde analisamos apenas os extremos (controle e levedura de cerveja), evidenciando que a fermentação com levedo de cerveja como nutriente se mostrou, aparentemente, mais eficiente quanto ao metabolismo das leveduras. Diferença de 1008 de densidade final para o levedo de cerveja e de 1012 para a densidade final do controle.

Gráfico 2

Esse simples experimento mostra que não existe grande necessidade de introduzir os nutrientes considerados para otimizar as fermentações, mas pode ajudar. A composição dos maltes, lúpulos, água e da levedura são suficientes para um bom metabolismo celular. Mas se existe a vontade de utilizar esses nutrientes, parece que a levedura de cerveja é a mais indicada principalmente para fermentações em mostos de alta densidade (pesquisa que está sendo realizada) e na sua falta pode-se utilizar perfeitamente levedura seca (até hidratada) ou fermento de pão. Apenas indicamos o levedo de cerveja porque, aparentemente, com a autólise da parede celular da levedura libera o conteúdo citoplasmático, bem como componentes contidos nas membranas, facilitando a obtenção dessas matérias primas pela levedura.

Não podemos considerar esse experimento como um padrão para todos os nutrientes disponíveis, apenas para esses que são os mais utilizados pelos cervejeiros caseiros. Lembrando que com único experimento apenas apontamos um caminho que pode sofrer grandes alterações com mostos diferentes. Portanto, é necessário novas experimentações  para obter dados mais precisos sobre o assunto.

  
Bibliografia:
CEBRA, J.J.; PERIWAL, S.B.; LEE, G.; LEE, F.; SHROFF, K.E. Development and maintenance of the gut-associated lymphoid tissue (GALT): the roles of enteric bacteria and viruses. Developmental Immunology, v.6, p.13-18, 1998.

Glenys M. Caballero-Córdoba; Maria Teresa B. P.; Valdemiro C. S. Chemical composition of yeast biomass (Saccharomyces sp.) and protein nutritive value of integral or mechanically ruptured cells.  Ciênc. Tecnol. Aliment. vol.17 no.2. Campinas May/Aug. 1997

Evangelista, R. R. Análise do processo de fabricação industrial de cerveja. São Paulo, Título de graduação, Fatec Araçatuba, 2012.

Lazzari, L. M. et al. Produção de cerveja. Santa Catarina. UFSC, 2009.

Silva, D. P. Produção e avaliação sensorial de cerveja obtida a partir de mostos com elevadas concentrações de açúcares. São Paulo. FAENQUIL, 2005 (Tese de doutorado).

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