STARTER - Propagação de leveduras

Starter é um processo muito interessante para viabilizar o metabolismo das leveduras e garantir sua eficiência e, consequentemente, evitar possíveis problemas durante a fermentação de sua cerveja. Portanto, o objetivo fundamental do starter é gerar uma população de leveduras com viabilidade (quantidade de células) e vitalidade (células saudáveis) para que a fermentação do mosto ocorra em condições ideais.

Algumas perguntas frequentes:

Quando é indicado fazer um starter? No meu ponto de vista sempre que possível. A não ser que utilize uma inoculação com quantidade de leveduras acima do indicado. Mas o starter é fundamental para utilização de leveduras líquidas, utilização de "lama" que ficou na geladeira muito tempo e quando vai usar iscas secas de kveik.

Sou obrigado a fazer starter para produzir minha cerveja? Não. Para aquelas leveduras comerciais basta seguir o recomendado nos pacotes de levedura (aconselho utilizar a indicação mínima). EX: 1 pacote de 11,5g para fermentar de 20 a 30 litros (considere sempre para 20 litros). Discutiremos esse problema ainda nesse texto. Como citei acima, atualmente tenho realizado starter para qualquer fermentação, porque tenho observado melhora significativa no processo.

O starter permite ter uma população de leveduras saudáveis e efetivas que terão um metabolismo eficiente gerando menor quantidade de ésteres e álcoois superiores. Essas substâncias são, geralmente, produzidas através das reproduções assexuadas das leveduras (visite a página sobre reprodução de leveduras - Clique aqui). Quando iniciamos a fermentação com uma população pequena de leveduras, podemos ter um estresse reprodutivo gerando maior quantidade desses produtos indesejáveis.

Outro fator importante de se ter uma inoculação adequada, é a maior capacidade de retirar do mosto substâncias indesejáveis como o diacetil e alcetaldeido, além de, com a fermentação acelerada, eliminar junto com o CO₂ grande quantidade de componentes sulfúricos.

O metabolismo acelerado no início da fermentação é um grande problema das Kveiks porque atuam em altas temperaturas acelerando naturalmente o metabolismo das leveduras, gerando grande quantidade de CO₂ que eliminam a maioria dos aromas da cerveja.

Portanto, o mais indicado é saber quantas células da levedura existem no volume a ser inoculado no mosto, mas isso pode se tornar difícil para o cervejeiro caseiro iniciante por necessitar de procedimentos técnicos laboratoriais e com necessidade de equipamentos como microscópio e câmara de Neubaeur, além do controle de diluição progressiva da cultura de leveduras. Mas vamos tentar simplificar.

Segundo Fix and Fix (1997), para uma cerveja ALE precisamos de 0,5 a 0,75 milhões de células de levedura para metabolizar eficientemente 1 mL de mosto por cada 1% de açúcar (=1^oBrix = 1^oPlato) (ver página sobre o assunto). Para uma cerveja LAGER precisaremos de 1,0 a 1,5 milhões de células por ml de mosto.

Desta forma, simplificando, para se ter a maior eficiência para fermentar uma cerveja ALE, precisamos de 750 milhões de células de levedura para metabolizar 1 mL de mosto com 1% de açúcar. Assim, para calcular o número de células para uma cerveja ALE, temos:

(750.000.000) x (ml de mosto) x (Brix)

 EXEMPLO:

Com um mosto com densidade média de 12 Brix (1048), teremos 12% de açúcar por mL, assim (0,75 x 12) = 9 milhões de células para cada mL de mosto ou 9 bilhões de células para cada litro de mosto. Assim, se você está fazendo 20 litros de cerveja, você vai precisar de 180 bilhões de células (9 bilhões x 20 = 180 bilhões). Colocando na fórmula:

(750.000.000) x (20.000) x (12) = 180.000.000.000

Buscando informações na Fermentis, sobre a levedura US-05, a indicação de dosagem é 50 a 80 gramas por cada 100 litros. Então, considerando uma dosagem média de 65 gramas para cada 100 litros de mosto, para fazermos 20 litros de cerveja com densidade média precisaremos de 13g de levedura e para fazer 30 litros precisaremos 19,5 gramas. Como o pacote traz 11,5g de levedura é insuficiente tanto para 20 litros como para 30 litros. Se considerarmos a dosagem mínima indicada (50 gramas para cada 100 litros), para fazermos 20 litros precisaríamos de 10 gramas de levedura (a dosagem do pacote é suficiente) e para 30 litros, precisaríamos de 15 gramas de levedura, portanto continua insuficiente para 30 litros de cerveja.

É por esse motivo que indico fazer starter de qualquer levedura. Lógico que podemos usar a levedura sem propagação e fazer uma cerveja boa, mas fazendo o starter poderemos correr menos riscos (dependendo da densidade do mosto) de termos uma fermentação arrastada e até obter sabores e aromas indesejados.

Segundo o site da Lamas Brew Blog, podemos apresentar os dados com exemplos de números de células das principais leveduras que encontramos no Brasil:

Fermentis – mais 69 bilhões de células por pacote

Lallemand (Nottinghan) – 57,5 bilhões de células por pacote

Lallemand (Windsor) – 80,5 bilhões de células por pacote 

White Labs – de 100 a 130 bilhões de células por vial

Wyeast – 100 a 130 bilhões de células por vial/pack

Mangrove Jack´s – maior que 50 bilhões de células por pacote

Essas referências são para fermentos novos. Para usar fermentos velhos (principalmente líquidos) ou lama a única opção é a contagem de células ao microscópio ou adotar um parâmetro base, lembrando que é sempre indicado inocular maior número de células.

Como calcular o starter? Podemos utilizar ferramentas disponíveis na internet. Gosto muito do Brewfather ou do Brewer´s Friend que hoje já estão em português.

Como forma simples de fazer um starter sem usar muitas ferramentas, principalmente para quem está iniciando nesse mundo cervejeiro, indico:

Levedura ALE

Usaremos um pacote de levedura e faremos células suficientes para até 40 litros

1- Fazer uma solução de 100g de DME em 1 litro de água filtrada e desclorada. Pode ser usado mosto com densidade entre 1036-1040.

2- Ferver essa solução por 10 minutos e esfriar até a temperatura inferior a 30^oC. Indico entre 25 e 30^oC.

3- A densidade da solução deve estar entre 1036 e 1040. Se necessário, acerte a densidade com água filtrada e desclorada.

4- Inocular seu pacote de levedura. Aguardar hidratar e homogeneizar.

5- Ideal é usar um agitador magnético com bomba aeradora de aquário. Caso não possua coloque a solução em uma garrafa pet e agite bem. Deixe descansar com a tampa semiaberta para a saída do CO₂. Periodicamente, feche totalmente a tampa e agite o mosto novamente. Sempre deixe a tampa semiaberta para a saída do CO₂.

6- Após 24 horas seu starter está pronto e pode ser inoculado diretamente no mosto que será sua cerveja.

OBS: Caso vá fazer um volume maior de cerveja, faça uma proporção do descrito acima.

 

Levedura LAGER

OBS: Sempre dobre a quantidade a ser inoculada em relação à levedura ALE.

Utilizando 2 pacotes de levedura, faremos células suficientes pata até 40 litros de cerveja.

1- Fazer uma solução de 200g de DME em 2 litros de água.

2- Ferver essa solução por 10 minutos e esfriar até a temperatura ambiente.

3- A densidade da solução deve estar entre 1036 e 1040. Se necessário, acerte a densidade com água filtrada e desclorada.

4- Inocular seu pacote de levedura. Aguardar hidratar e homogeneizar.

5- Ideal é usar um agitador magnético com bomba aeradora de aquário. Caso não possua coloque a solução em uma garrafa pet e agite bem. Deixe descansar com a tampa semiaberta para a saída do CO₂. Periodicamente, feche totalmente a tampa e agite novamente. Sempre deixe a tampa semiaberta para a saída do CO₂.

6- Após 24 horas seu starter está pronto e pode ser inoculado diretamente no mosto.

 

OBS:

1- O Procedimento descrito acima não é científico, mas serve como base para ótimas fermentações.

2- É melhor fazer desse jeito do que não fazer.

3- Recomendo utilizar as ferramentas disponíveis na internet para atingir um starter eficiente.

4- Hiperdosagem na inoculação é MUITO menos problemático do que Hipodosagem.

 

STARTER NA PRÁTICA

EXPERIMENTO 1 - Densidade baixa

Brassando 40 litros de cerveja contendo os seguintes parâmetros:

Malte Pilsen - 8,0 Kg

Malte Vienna - 1,0 kg

Lúpulo Simcoe - 10g aos 60´

Lúpulo Simcoe - 40g aos 0´

Levedura US-05- 2 pacotes (um usado sem starter e outro usado com starter)

Brassagem: 75´ a 67^oC

Fervura: 75´

Nos 15´finais de fervura foi adicionado 10g de levedo seco como nutrientes.

O mosto foi devidamente aerado.

OG= 1047

IBU= 16,5 (média)

O mosto foi dividido em 2 fermentadores:

1- Recebeu 1 pct de US-05 apenas hidratado

2- Recebeu 1 pct de US-05 com starter de 24 horas (100g de DME para 1 litro de água. A densidade ficou em 1036). Todo o conteúdo do starter foi adicionado ao mosto.

Os dois fermentadores ficaram dentro da mesma geladeira com temperatura de 18^oC.

A densidade da cerveja de cada fermentador foi anotada a cada 24 horas até a atenuação total e os dados foram organizados no gráfico abaixo.

 

Considerando as atenuações durante a fermentação, podemos observar no gráfico:

1- Como a densidade inicial foi baixa (1047) a inoculação foi adequada para os mostos de ambos fermentadores.

2- A atividade das leveduras quando passaram pelo starter foi mais acentuada e eficiente em comparação com aquelas que não passaram pelo starter. Sem starter a fermentação foi finalizada em 6 dias, enquanto que na fermentação com starter foi finalizada em 4 dias.

3- As duas cervejas ficaram boas e dentro do esperado, apenas a cerveja feita com leveduras que passaram pelo starter ficaram mais leve a mais agradável.

 

EXPERIMENTO 2- Densidade média

Brassando 30 litros de cerveja contendo os seguintes parâmetros:

Malte Pilsen - 8,0 Kg

Malte Vienna - 1,0 kg

Lúpulo Simcoe - 8,2g aos 60´

Lúpulo Simcoe - 32,8g aos 0´

Levedura US-05- 2 pacotes (um usado sem starter e outro usado com starter)

Brassagem: 75´ a 67^oC

Fervura: 75´

Nos 15´finais de fervura foi adicionado 10g de levedo seco como nutrientes.

O mosto foi devidamente aerado.

OG= 1062

O mosto foi dividido em 2 fermentadores:

1- Recebeu 1 pct de US-05 apenas hidratado

2- Recebeu 1 pct de US-05 com starter de 24 horas (100g de DME para 1 litro de água. A densidade ficou em 1036). Todo o conteúdo do starter foi adicionado ao mosto.

Os dois fermentadores ficaram dentro da mesma geladeira com temperatura de 18^oC.

A densidade da cerveja de cada fermentador foi anotada a cada 24 horas até a atenuação total e os dados foram organizados no gráfico abaixo.

 

Considerando as atenuações durante a fermentação, podemos observar no gráfico:

1- Como a densidade inicial foi média (1062) o resultado foi distinto do experimento 1.

2- A atividade das leveduras quando passaram pelo starter foi mais acentuada e eficiente em comparação com aquelas que não passaram pelo starter. Sem starter a fermentação foi finalizada em 7 dias, enquanto que na fermentação com starter foi finalizada em 4 dias. Portanto, com 3 dias de diferença para a finalização da fermentação.

3- Uma diferença marcante foi a densidade final. Com starter a FG foi de 1010 e sem starter a FG foi de 1017. 

3- As duas cervejas ficaram boas, mas diferentes. Com starter ficou semelhante ao experimento 1, apenas mais encorpada e com mais álcool. Entretanto, a cerveja feita sem starter ficou mais turva, mais encorpada e com um dulçor residual.

 

Referência bibliográfica:

Fix, G and Fix, L. An Analysis of Brewing Techiniques. Brewers Publications, 1997

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