O amido - Fonte de energia

A glicose é a principal fonte de energia para todos os seres vivos. Os animais obtém a glicose por meio da digestão de carboidratos obtidos de outros seres vivos (heterotrofia por ingestão), sendo o amido (reserva energética dos vegetais), o polissacarídeo mais utilizado.

Outros polissacarídeos de grande importância para os seres vivos são a celulose que compõem as estruturas celulares principalmente das plantas, a quitina que forma o exoesqueleto dos artrópodes (Ex: crustáceos, aracnídeos, insetos) e o glicogênio que é uma importante reserva energética dos animais.

O amido é um polímero composto por diversos monomeros de açúcares diferentes arranjados das mais diversas formas. Portanto, a forma mais simples de açúcar é um monômero (monossacarídeo) como a glicose ou pode ser um polímero mais simples, como dissacarídeo (maltose = a duas moléculas de glicose juntas) ou trissacarídeo (maltotriose = 3 moléculas de glicose juntas), como exemplo.  Essas glicoses se ligam pelo 1º e 4º átomos de carbono, chamada de ligação 1-4 e vão formando cadeias longas (polissacarídeos).

(n) significa adicionando glicose na molécula

 

Outra forma que as moléculas de glicose podem se juntar é pelo 1º e 6º átomos de carbono, chamada ligação 1-6, formando um dissacarídeo chamado de isomaltose.

Polissacarídeos que possuem as duas ligações (1-4 e 1-6) são chamados de dextrinas e são de difícil metabolismo pelas Saccharomyces. Entretanto, as ligações 1-6 podem ser quebradas pelas enzimas carbohidrase (limit dextrinase) ativadas durante o processo de malteação.

A glicose é formada pela fotossíntese a partir de dióxido de carbono (CO2), água e luz do Sol e acumulada na forma de amido principalmente nas sementes (Ex: cevada), raízes e tubérculos. O amdido é constituído essencialmente pela mistura de dois polissacarídeos: a amilose e a amilopectina. A amilose é um polímero linear, com cerca de 200 moléculas de glicose em sua estrutura e a amilopectina, composta por mais de mil moléculas de glicose, sendo um polímero altamente ramificado.

Quando nos alimentamos de grãos (sementes), raízes (mandioca) e tubérculos (batata), temos que transformar esse polissacarídeo (amido) em glicose para serem utilizadas como fonte energética das células. Segundo Nelson (2011), a digestão do amido se inicia na boca, com a mastigação há liberação da enzima α-amilase, presente na saliva (também conhecida como amilase salivar ou ptialina), hidrolisando as ligações glicosídicas (α1 → 4) da amilose, resultando em maltose, glicose e amilopectina; e das ligações (α1 → 4) da amilopectina, resultando em dextrina, que é uma mistura de polissacarídeos. No intestino haverá atividade da β-amilase (amilase pancreática) que catalisará a quebra de ligações (α1 → 4) dos polissacarídeos resultantes da hidrólise da amilopectina e esta última reação terá como produto o dissacarídeo maltose. Para obtenção de glicose, entra a atividade da enzima maltase produzida no intestino, agido na hidrólise das ligações da maltose.

A glicose é utilizada pelas células no processo de respiração celular, fornecendo a energia (ATP - Adenosina trifosfato) aos organismos vivos. Para entrar nas células, a glicose pode utilizar transportadores específicos (insulina) ou utilizar um transporte acoplado ao íon sódio.

Observe a figura abaixo que representa, de forma simplificada, a digestão do amido no corpo humano.

 

 Observaram alguma semelhança com a brassagem da nossa cerveja?

Para fazer a nossa cerveja, utilizamos o amido que constitui a reserva energética nos grãos (sementes). Assim, temos que simular a digestão que ocorre nos animais, utilizando várias enzimas para obter a glicose que será a fonte energética do fungo, a nossa levedura.

Quando uma semente de cevada é plantada no solo vai germinar e originar outra planta. A semente hidratada no solo ativa e libera enzimas para degradar o amido (reserva) e gerar a glicose que é a energia das células para produzir todo o corpo vegetal. Aqui entram as enzimas beta-amilase, alfa-amilase, proteases, glucanase, etc. Entretanto, para usarmos esses grãos (sementes) para a produção da cerveja, precisamos despertar essas enzimas para sua ação sobre o amido. Ai entra o processo de malteação.

A malteação ou maltagem é um processo que consiste basicamente em fazer com que sementes germinem e, logo quando isso começa, o processo é interrompido através da secagem e torra dos grãos. Por isso temos diferentes tipos de malte, pois cada um pode passar por uma maltagem diferente para chegar ao resultado final.

Essas enzimas contidas nos maltes são essenciais para o processo de mostura, pois elas irão atuar quebrando o amido do malte em açúcares menores, deixando estes disponíveis para a ação das leveduras e, consequente, produção da nossa cerveja.

Como vimos acima, o polissacarídeo (amido) é formado pela junção de moléculas de glicose (ligações 1-4 e 1-6). A beta amilase quebra ligações 1-4 próximas às pontas das moléculas de amido, mas não consegue quebrar as ligações 1-6 ou ligações 1-4 próximas a ligações já quebradas. As alfa amilase quebra qualquer ligação 1-4 da molécula de carbohidrato e as ligações 1-6 podem ser quebradas pela enzima carbohidrase (limit dextrinase) ativada durante o processo de malteação.

 

A ação dessas enzimas pode ser limitada pelo pH e pela temperatura da mosturação. Considerando o pH, abaixo é mostrado uma figura para observar o pH ideal para algumas enzimas.


Considerando a temperatura, a beta amilase desnatura a 65oC. Portanto, uma vez aquecendo seu mosto acima desta temperatura a beta amilase poderá ser inativada. Acima de 74ºC todas as enzimas ficam desnaturadas. Abaixo é mostrado uma figura com a ação da beta e alfa amilase e da carboidrase em relação à temperatura do mosto.

 

Visite a página sobre brassagem (clique aqui).

Com o nosso mosto pronto, agora chega o momento da ação das leveduras, utilizando o resultado de todo o processo da degradação do amido. A fermentação realizada pela levedura é alcoólica, onde durante esse processo, o ácido pirúvico é descarboxilado (perde sua hidroxila), gerando acetaldeído por meio da ação da enzima piruvato descarboxilase (ausente em animais). Como resultado dessa fermentação, o NADH produz a redução do acetaldeído a moléculas de etanol (C2H6O), produzindo ainda o dióxido de carbono (CO2). Observe a figura abaixo.

  

Visite a página sobre a fermentação (clique aqui)

Como vimos, o amido é o principal componente de todo o processo de produção da cerveja e envolve muitos conceitos. Portanto, podemos fazer uma analogia interessante entre o processo de brassagem e a fisiologia digestiva dos animais. A natureza ensinando e mostrando seus caminhos dicotômicos visando sempre otimizar os processos de obtenção energética e manutenção da vida.


Bibliografia consultada

NELSON, D. L; Cox, M. M. Princípios de Bioquímica de Lehninger. 5o ed. Porto Alegre: Artmed, 2011. 244-249 p.

PALMER, J. J. How To Brew: Everrything Tou Need to Know to Brew Great Beer Every Time. Brewers Publications, 2017. 4ª Edition.

FIX, G. Principles of Brewing Science: A Study of Serious Brewing. Brewers Publications, 1999. 2ª Edition.

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